17.10.04
A Arte de Dizer Frases Assassinas
Com a mesma «subtileza assassina» com que, há uns anos, M. Soares apoucou o então Primeiro-Ministro de Portugal e Secretário-Geral do Partido Socialista, António Guterres, quando inquirido sobre as qualidades do seu correligionário, destacando apenas o seu desembaraço discursivo, em particular nas línguas estrangeiras, numa altura em que AG e o partido por si conduzido já tinham ganho eleições legislativas e autárquicas, pondo fim a um período de larga hegemonia do PSD de Cavaco Silva, agora, também, ao referir-se à figura de Marcelo Rebelo de Sousa e ao episódio que este protagonizou, com a sua saída da TVI, M. Soares, de forma requintadamente perversa, declarou que MRS tinha muitas qualidades, mas, entre elas, a coragem não seria uma das primeiras.
Nesta resposta está toda a mestria florentina do velho e sabido político que ele é, capaz de dizer, não dizendo, insultar, não insultando, revelando a sua longa prática e suma perícia, na controversa arte da disputa política, de que ele é o último sobrevivente no activo da plêiade de dirigentes políticos revelados após a revolução de 1974.
MRS deve, pelo visto, pertencer ao pequeno universo dos ódios de estimação de MS, homem, como se sabe, muito amigo de seu amigo, pontualmente pagador de favores e simpatias, mas inexorável, para com aqueles que, ao longo dos anos, a ele se opuseram ou lhe fizeram frente, de forma continuada, firme e contundente.
Estão, certamente, neste grupo jornalistas menos dados a trocas de cortesias, como o Joaquim Vieira, o Freire Antunes, hoje dedicado à historiografia contemporânea e alguns – poucos – mais, que altivamente rejeitaram o seu abraço político.
Haverá, hoje em dia, outros abraços tão ou mais fortes ou asfixiantes que aquele e, analogamente, escasseiam os que disso se apercebem, para consciente e inequivocamente a eles se escusarem, cultivando, em contraponto, um espírito de probidade no exercício da profissão de informar os cidadãos, que deveria constituir alto exemplo proposto à emulação geral.
Dirão os cínicos que o mundo é o que é e não o que gostaríamos que ele fosse.
Se é certo que o espírito de sacrifício por ideais colectivos vai rareando, no amolecido mundo ocidental, moralmente debilitado por décadas sucessivas de prosperidade material, tendência, como se vê, agravada pela persistente propaganda dos arautos da Super Gestão Globalizada, que não cessam de acirrar os impulsos individualistas e egoístas da raça humana, também se reconhecerá que, desta doutrina, muita ganga sobrevirá, muita selvajaria e muita indiferença social, que hão-de fatalmente transformar, por largo tempo, as sociedades modernas em palcos da fátua e inútil exibição, por um lado, e, da feroz competição, por outro, podendo vir a enterrar-se de vez os princípios nobres e belos da convivência fraterna, como preconizado na doutrina desse desprezado e esquecido humanismo cristão há dois milénios surgido.
Aparentemente, ninguém parece preocupar-se com estas tendências nocivas que se multiplicam no nosso tempo, para além de um diminuto número de pessoas, algumas, por dever de assumido compromisso religioso, outras, por forte propensão natural das suas consciências, reforçada no diuturno contacto com a cultura humanística da nossa civilização judaico-cristã, que, pese a incoerência com que tem sido vivida ao longo dos séculos, tantos e tão diversificados valores produziu e que, para qualquer mente equilibrada, não sofre comparação com as suas pretendidas rivais.
Na verdade, nada parece mais desmentido, na moderna cultura ocidental prevalecente, do que a doutrina cristã, sobretudo na sua vertente moral, a única que desperta disputas no presente, encerrado, definitivamente, julga-se, o período conturbado das heresias e das dissensões teológicas.
Do que atrás fica dito, pode ressaltar-se a importância, na política também, da ética, cristã ou não, embora, por muito laica que esta última no Ocidente se afirme, dela seja sempre devedora, por séculos vividos sob a sua fecunda influência, por mais que isso incomode as agitadas mentes fracturantes apostadas numa divertida criação de crises artificiais.
O tema da Ética na Política, como de resto nas Empresas, realidade ainda mais desconhecida e desprezada, a necessitar de urgente atenção, sob pena de grave retrocesso social, merecerá novas abordagens, aqui e, creio bem, em muitos outros locais, tantos os atropelos que se cometem, na mais completa e surpreendente impunidade.
Quousque tandem...
Gutta cavat lapidem.
António Viriato_Lisboa, 17 de Outubro de 2004
Nesta resposta está toda a mestria florentina do velho e sabido político que ele é, capaz de dizer, não dizendo, insultar, não insultando, revelando a sua longa prática e suma perícia, na controversa arte da disputa política, de que ele é o último sobrevivente no activo da plêiade de dirigentes políticos revelados após a revolução de 1974.
MRS deve, pelo visto, pertencer ao pequeno universo dos ódios de estimação de MS, homem, como se sabe, muito amigo de seu amigo, pontualmente pagador de favores e simpatias, mas inexorável, para com aqueles que, ao longo dos anos, a ele se opuseram ou lhe fizeram frente, de forma continuada, firme e contundente.
Estão, certamente, neste grupo jornalistas menos dados a trocas de cortesias, como o Joaquim Vieira, o Freire Antunes, hoje dedicado à historiografia contemporânea e alguns – poucos – mais, que altivamente rejeitaram o seu abraço político.
Haverá, hoje em dia, outros abraços tão ou mais fortes ou asfixiantes que aquele e, analogamente, escasseiam os que disso se apercebem, para consciente e inequivocamente a eles se escusarem, cultivando, em contraponto, um espírito de probidade no exercício da profissão de informar os cidadãos, que deveria constituir alto exemplo proposto à emulação geral.
Dirão os cínicos que o mundo é o que é e não o que gostaríamos que ele fosse.
Se é certo que o espírito de sacrifício por ideais colectivos vai rareando, no amolecido mundo ocidental, moralmente debilitado por décadas sucessivas de prosperidade material, tendência, como se vê, agravada pela persistente propaganda dos arautos da Super Gestão Globalizada, que não cessam de acirrar os impulsos individualistas e egoístas da raça humana, também se reconhecerá que, desta doutrina, muita ganga sobrevirá, muita selvajaria e muita indiferença social, que hão-de fatalmente transformar, por largo tempo, as sociedades modernas em palcos da fátua e inútil exibição, por um lado, e, da feroz competição, por outro, podendo vir a enterrar-se de vez os princípios nobres e belos da convivência fraterna, como preconizado na doutrina desse desprezado e esquecido humanismo cristão há dois milénios surgido.
Aparentemente, ninguém parece preocupar-se com estas tendências nocivas que se multiplicam no nosso tempo, para além de um diminuto número de pessoas, algumas, por dever de assumido compromisso religioso, outras, por forte propensão natural das suas consciências, reforçada no diuturno contacto com a cultura humanística da nossa civilização judaico-cristã, que, pese a incoerência com que tem sido vivida ao longo dos séculos, tantos e tão diversificados valores produziu e que, para qualquer mente equilibrada, não sofre comparação com as suas pretendidas rivais.
Na verdade, nada parece mais desmentido, na moderna cultura ocidental prevalecente, do que a doutrina cristã, sobretudo na sua vertente moral, a única que desperta disputas no presente, encerrado, definitivamente, julga-se, o período conturbado das heresias e das dissensões teológicas.
Do que atrás fica dito, pode ressaltar-se a importância, na política também, da ética, cristã ou não, embora, por muito laica que esta última no Ocidente se afirme, dela seja sempre devedora, por séculos vividos sob a sua fecunda influência, por mais que isso incomode as agitadas mentes fracturantes apostadas numa divertida criação de crises artificiais.
O tema da Ética na Política, como de resto nas Empresas, realidade ainda mais desconhecida e desprezada, a necessitar de urgente atenção, sob pena de grave retrocesso social, merecerá novas abordagens, aqui e, creio bem, em muitos outros locais, tantos os atropelos que se cometem, na mais completa e surpreendente impunidade.
Quousque tandem...
Gutta cavat lapidem.
António Viriato_Lisboa, 17 de Outubro de 2004
Comments:
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Caro António, vendo sua expressão latina iniciada por "Quousque" (Até quando), lembro-me que, ao reler o comentário que deixei no texto anterior, vi que não escrevi a palavra "Até" antes de "Quando". Fica aqui o registro, já que não sei fazer lá a correção. Do seu texto, deste post, ficou-me a observação da qualidade de quem "diz sem dizer" (sugere, sutilmente, como uma "entrelinha da fala"). Admiro quem consegue (às vezes, até tento..., às vezes até consigo...). Creio que você não recebeu meu e-mail cumprimentando-o e a seu pai pelos aniversários, dia 1º e 2 de outubro, respectivamente - enviei-o assim que li o comentário que deixou no texto de aniversário de papai, você comentou assim que coloquei o texto e, logo em seguida, enviei o e-mail. Se recebeu e enviou resposta, fui eu que não a recebi. Recebam, então, você e seu pai, meu forte abraço pelo aniversário, aproveitando este seu espaço. Aproveitando ainda, saiba o quanto seus comentários me alegram. Muitíssimo grata.
MAIS ABRAÇOS.
Bisbilhoteira (www.bisbilhotices.blogger.com.br).
MAIS ABRAÇOS.
Bisbilhoteira (www.bisbilhotices.blogger.com.br).
Amigo,
Vim agradecer as tuas visitas e desculpar-me por estar ausente, gostei do teu texto e corroboro o que falas, pois a falta de ética está minando a nossa sociedade. Entre amores e ódios, cursamos e vivemos. Nos cabe tentar distribuir um pouco de amor, tentando dirimir o ódio que nos avizinha e tentando como num dominó que este amor se dissemine, o mesmo devemos fazer com a ética. Quem sabe se não veremos germinar a ética que tanto falta principalmente na política.
Um abraço brasileiro da
Semeadora
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Vim agradecer as tuas visitas e desculpar-me por estar ausente, gostei do teu texto e corroboro o que falas, pois a falta de ética está minando a nossa sociedade. Entre amores e ódios, cursamos e vivemos. Nos cabe tentar distribuir um pouco de amor, tentando dirimir o ódio que nos avizinha e tentando como num dominó que este amor se dissemine, o mesmo devemos fazer com a ética. Quem sabe se não veremos germinar a ética que tanto falta principalmente na política.
Um abraço brasileiro da
Semeadora
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